quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Predestinação

Eu estava conversando com um hindu outro dia e ele disse que acredita em destino, que isso facilita a vida. "Se ocorreu alguma tragédia, não preciso me desesperar, pois isso foi a vontade de deus", disse ele. Claro que eu aproveitei para mostrar quem era o verdadeiro Deus e qual era a Sua vontade para a vida dele, mas é curioso notar que a idéia de um deus que controla tudo também está presente em religiões pagãs e é capaz de produzir certa paz interior. Por outro lado, a mesma idéia pode ser usada para tentar isentar os homens da responsabilidade por seus atos. Este é o clássico problema da soberania de Deus versus a responsabilidade do homem. Biblicamente, não podemos negar nenhum dos dois lados.

O calvinismo é uma forma de interpretar a Bíblia que leva em forte consideração a soberania de Deus em todos os aspectos da criação. Deus faz o que quer e Sua vontade sempre será cumprida:

Sl 115:3 - "Mas o nosso Deus está nos céus; fez tudo o que lhe agradou."

Sl 135:6 - "Tudo o que o Senhor quis, fez, nos céus e na terra, nos mares e em todos os abismos."

Ef 1:11 - "Nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade;"

Sendo Ele o criador e o Senhor, ninguém pode contestá-lO perguntando "por que nasci assim?", "por que aconteceu esta tragédia?", "por que Ele deixou a criança morrer de fome?" ou "por que Ele escolheu Jacó e não Esaú?". Certas respostas simplesmente não nos pertencem. O calvinismo tenta explicar a doutrina da salvação de maneira lógica e Bíblica, partindo da soberania de Deus. Existem diferentes pontos de vista entre os calvinistas e seria impossível comentar amplamente o assunto em um blog. Resumidamente, o calvinismo ensina que:

1 - Deus enviou Jesus ao mundo e ordena aos homens que se arrependam e creiam nEle;

2 - Como o homem natural não entende as coisas espirituais e seu coração é totalmente depravado, seu desejo não é voltado para as coisas de Deus, e consequentemente, se for depender apenas do seu próprio livre arbítrio, ninguém vem a Deus (Rm 3:10-11);

3 - Deus, então, escolheu incondicionalmente alguns para serem salvos, a fim de mostrar as riquezas da Sua graça (Rm 9:14-23). A estes Ele amou e predestinou para serem seus filhos adotivos (Ef 1:5).

4 - Aos que Ele predestinou, Ele também salvou, quebrantando seus corações e conduzindo-os a Jesus. Somente estes têm condição de crer no evangelho, pois tiveram sua vontade transformada pelo Espírito Santo:

Jo 6:65 - "E dizia: Por isso eu vos disse que ninguém pode vir a mim, se por meu Pai não lhe for concedido."

5 - Por outro lado, todo aquele que é tocado pelo Pai, é conduzido a Jesus de maneira irresistível:

Jo 6:37 - "Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora."

6 - Os que vêm a Jesus não perdem a salvação, mas perseveram até o final pelo poder de Cristo:

Jo 6:39 - "E a vontade do Pai que me enviou é esta: Que nenhum de todos aqueles que me deu se perca, mas que o ressuscite no último dia."

Jo 6:44 - "Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia."

7 - Como consequência de tudo isso, e considerando que Deus é soberano e faz tudo que lhe apraz, conclui-se que Jesus morreu para pagar pelos pecados apenas dos eleitos, e não pelos do mundo inteiro, pois se os pecados do mundo todo tivessem sido pagos, ninguém seria condenado.

Note que alguns calvinistas não negam a existência do livre arbítrio, como posso ter deixado transparecer no post sobre precognição. Eles negam que o livre arbítrio possa nos levar à salvação, pois o arbítrio está amarrado à vontade humana, e esta vontade é naturalmente contrária à vontade de Deus. Pela definição do dicionário Aurélio, livre arbítrio é o "poder, faculdade de decidir, de escolher, de determinar, dependente apenas da vontade". Em geral, os calvinistas preferem a expressão "livre agência" em vez de "livre arbítrio" nesse caso. Fica claro que a vontade humana precisa ser "quebrada" por Deus antes que possa haver salvação. Os calvinistas propõem a existência de uma graça irresistível, pela qual Deus transforma a vontade dos eleitos somente, o que é diferente da graça preveniente dos arminianos, pela qual Deus ilumina todas as pessoas, indiscriminadamente. Olhando a sequência de 7 pontos acima, o calvinismo parece ser algo lógico e bem fundamentado, apesar de talvez não ser uma descrição agradável para muitos. Existem, entretanto, algumas questões que geram divergência no meio calvinista e que merecem maior consideração, e vou comentar apenas uma delas neste post.

Primeiro, para que a graça irresistível funcione, o calvinismo ensina que o novo nascimento tem que ocorrer antes de a pessoa ter fé em Jesus. Isto porque a pessoa sem Cristo está morta em seus pecados, e um morto não faz nada sem que Jesus o ressuscite antes:

Ef 2:5 - "Estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos),"

Como John Piper coloca:

"Cremos que o novo nascimento é uma criação milagrosa de Deus que habilita uma pessoa que estava "morta" a receber Cristo e ser salva. Nós não achamos que a fé precede e causa o novo nascimento. A fé é uma evidência de que Deus nos regenerou." (tradução minha)

Ou ainda, conforme D. Steele e C. Thomas:

"O Espírito Santo cria dentro do pecador um novo coração ou uma nova criatura. Isto é feito por meio da regeneração ou novo nascimento, por meio do qual o pecador se torna um filho de Deus e recebe vida espiritual. Sua vontade é regenerada por este processo de tal forma que ele vem a Cristo..." ("Five Points of Calvinism Defended", tradução minha)

Logo, tem-se uma situação em que uma pessoa nasce de novo antes de receber Jesus como salvador. É regenerada primeiro e só depois vai crer em Cristo (isso do ponto de vista de causa e efeito, pois do ponto de vista cronológico, ambas as coisas ocorrem ao mesmo tempo). A pessoa é salva contra sua vontade. Essa teoria parece se chocar com os seguintes textos, que sugerem que a fé em Cristo seja condição para a salvação, e não consequência dela:

At 6:30b-31 - "...Senhores, que é necessário que eu faça para me salvar? E eles disseram: Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo, tu e a tua casa."

Rm 10:9 - "A saber: Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo."

Ef 2:8 - "Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus."

Jo 1:12 - "Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no seu nome;"

Pode-se dizer que fomos eleitos incondicionalmente antes da fundação do mundo segundo o plano de Deus (Ef 1:5), mas o ato da salvação é condicional, somente os que crerem serão salvos. Mas só os eleitos acabam crendo.

Note que a maioria dos calvinistas interpreta "mortos em nossas ofensas" em Ef 2:5 como se o incrédulo fosse literalmente um cadáver, incapaz de responder a estímulos. Entendo que o incrédulo está "morto" no sentido de estar separado de Deus por causa do pecado (Ef 2:3), mas Deus pode iluminá-lo com a verdade e produzir a fé que resultará em salvação. Por mais irônico que seja, vou citar John Piper para explicar como isso pode ser:

"O que a soberania do Espírito significa é que quando Deus escolhe, ele pode vencer a rebelião e resistência da nossa vontade. Ele pode fazer Cristo parecer tão atrativo que nossa resistência é quebrada e nós livremente vamos a ele e o recebemos e cremos nele." ("The Free Will of the Wind", tradução minha)

Se é assim ou não que Deus convece o pecador eu não sei, a Bíblia não nos dá todas as respostas. Mas sei que, mesmo estando morto, você pode dar ouvidos à voz do Filho de Deus e receber a vida:

Jo 5:25 - "Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora, e agora é, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem viverão."

E você? Já deu ouvidos à voz de Jesus?

9 comentários:

  1. Esse assunto é um vespeiro e, quando começam as discussões sobre calvinismo vs livre arbítrio em um grupo, pode ter certeza, elas vão andar em círculos indefinidamente, até os envolvidos se cansarem, e ninguém convencer ninguém... na minha experiência, pelo menos.

    Quando leio a Bíblia, à vezes paro em um texto e faço uma anotação mental: "versículo calvinista" (Ex.: "Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia." João 6:44) ou "versículo arminiano" (Ex.: "E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo" João 1:2). É até engraçado, a impressão é de que os conceitos estão brigando entre si lá mesmo, na Palavra. O melhor que consigo fazer é assumir que não sei, que não entendo tudo, mas não quero jogar fora um versículo porque acredito mais em outro. Também não gosto quando forçam o texto a dizer o que realmente não parece estar dizendo, como: "todos significa todos os escolhidos".

    Para mim, existe uma área entre um conceito e o outro, não é um ponto, é uma região com fronteiras pouco definidas. É por ali que eu fico.

    P.S.: Pela minha contagem, bem grosseira, parece que há mais versículos "calvinistas" do que "arminianos", alguém tem um placar oficial?

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  2. Os calvinistas costumam polarizar as pessoas como calvinistas ou arminianistas. Se você se afasta de um detalhe do calvinismo clássico, vai ser chamado de arminianista. Mesmo o John Piper, que se diz defensor dos 5 pontos do calvinismo, é chamado de herege e arminianista pelos calvinistas mais extremos. Veja o link abaixo:

    http://www.youtube.com/watch?v=r5T7CkSbpOs

    Acho que o grupo que está mais perto da verdade são os Plymouth Brethren, John Darby, Miles J. Stanford, Lewis S. Chafer e o pessoal mais antigo do Seminário de Dallas: Dwight Pentecost, Charles Ryrie, etc. Eles não distorcem as Escrituras para explicar sua teologia e, de uma maneira geral, as coisas parecem se encaixar harmoniosamente. Veja o artigo abaixo:

    http://withchrist.org/sovereignty.htm

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  3. Erico

    Perdoe-me ter demorado a acrescentar o meu comentario, conforme nos falamos ao telefone, mas sabe como eh, a correria do dia-a-dia...

    O meu comentario foi extraido do livro 'Conhecendo as doutrinas da Biblia' de Myer Pearlman, capitulo VIII, parte V, intitulada 'A Seguranca da Salvacao'.

    Inicialmente Myer Pearlman explica que a doutrina do Calvnismo nao foi criada por ele, mas foi ensinada por Santo Agostinho.

    O autor apela para o 'equilibrio escrituristico': ambas as doutrinas podem encontrar base em versiculos biblicos, mas, a solucao pratica consiste em evitar os extremos antibiblicos e evitar colocar uma ideia em aberto antagonismo contra a outra. Os dois extremos devem ser evitados. Nao eh prudente insitir falando indevidamente dos perigos da vida crista. Maior enfase deve ser dada aos meios de seguranca: o poder de Cristo como Salvador, a fidelidade do Espirito Santo que habita em nos, a certeza das divinas promessas e a eficacia infalivel da oracao.

    O autor nos apresenta o exemplo de Charles Finney: quando Finney ministrava em uma comunidade onde a graca de Deus havia recebido excessiva enfase, ele acentuava muito a responsabilidade do homem. Quando dirigia trabalhos em localidades onde a responsabilidade humana e obras haviam diso fortemente defendidas, ele acentuava a graca de Deus.

    Quando deixamos os misterios da predestinacao e nos damos ah obra pratica de salvar almas, nao temos dificuldades com o assunto: John Wesley era arminiano e George Whitefield calvinista; entretanto, ambos conduziram milhares de almas a Cristo.

    Um abracao

    Graca e Paz

    Nilson

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    1. Arrebentou irmão. Isso mesmo. Feliz por seu comentário. Hoje sou um cristão muito feliz, depois que entendi melhor a graça de Deus e procuro o equilíbrio. Porque antes não lia nenhum autor de base calvinista e só hoje percebo o quanto estava perdendo.

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  4. Ótimo ponto, Nilson. Charles Spurgeon era calvinista, mas fazia apelo como se fosse arminianista. Os arminianistas são calvinistas quando oram para Deus mudar o coração de alguém. Isto não quer dizer que ambos os lados estão certos ou são igualmente bíblicos, mas existem pontos certos em ambos os lados, e de maneira nenhuma devemos perder a comunhão com algum irmão porque ele pensa diferente com relação a estes assuntos. Os problemas aparecem quando um dos lados começa a achar que o outro não é salvo porque prega um "outro evangelho", que na verdade não é outro, pois ambos pregam salvação pela graça por meio da fé.

    Ainda assim, vamos continuar "escavando" as Escrituras para tentar nos aproximar cada vez mais da verdade.

    Erico

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  5. Oi Erico,
    sobre algumas dúvidas ou questionamentos do calvinismo, sugiro os seguintes livros:
    1) Os batistas e a doutrina da eleição (Robert B. Selph)
    2) Deus é soberano (A.W.Pink)

    No primeiro livro, na segunda parte dele, o autor se dedica a explicar os principais questionamentos, como por exemplo o que tu colocaste sobre apelo realizado pelos calvinistas, ou regeneração antes da fé.
    Acho que em algumas colocações do teu texto, tu estás fazendo referença aos hiper-calvinistas, J.Piper é calvinista e não hiper-calvinista, por isso recebe críticas do setor extremo. Em particular acho que nenhum extremo é sadio.
    Grande abraço.
    Alejandro

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  6. Desculpa... tinha esquecido três sugestões mais, três pregações:
    1) Eleição (C.Spurgeon): http://www.monergismo.com/textos/chspurgeon/Eleicao_Spurgeon.htm

    2) Amei a Jacó, e aborreci Esaú (C.H.Spurgeon: http://prbeto-estudosteologicos.blogspot.com/2008/09/amei-jac-e-aborreci-esa-rm813.html

    3) Election pure and simple (Jeff Noblitt): http://www.sermonaudio.com/sermoninfo.asp?SID=42307194719

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  7. Ao irmão fundador do blog, receba meu abraço e respeito pela simplicidade "Formação Teológica: vou à igreja desde criancinha, tenho uma Bíblia e sei ler." Gostei.

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